Opinião
O brigadeiro Montenegro
Sergio Cruz Lima
Proveniente de Moçambique desembarca no Rio de Janeiro, em meados do século 19, o brigadeiro Montenegro. Sua imodéstia: casar no Brasil com moça de boa família, rica, loura e bonita. A ideia, perfeitamente fisiológica em outros, torna-se-lhe mórbida e, para segui-la, o nosso espadaúdo brigadeiro enverga o seu impecável uniforme militar. Medalhas no peito, desfila garboso nas ruas e, quando descobre à janela de algum elegante sobrado uma rapariga linda e brejeira, ele para, sorri com meiguice e diz-lhe: "Que bela moça para casar com um famoso general das terras moçambicanas!"
Se a moçoila inocentemente sorri, se não lhe faz qualquer desfeita ou reprimenda, o brigadeiro Montenegro aproxima-se, verga-se para trás, abre a boca, e fala, caricato e jactancioso: "Cuspa aqui!" Ora, logo os moleques, percebendo a mágica, enveredam para Montenegro. E nunca mais o largam! Nas ruas, em todos os lugares, os moleques o atropelam, assoviando e gritando a plenos pulmões: "Montenegro, não há de casar com moça brasileira!..." Enfurecido, o curioso militar moçambicano desembainha o seu velho chanfalho, investe sobre eles e distribuí pranchadas a torto e a direito. Na rua do Rosário, em particular, os caixeiros são implacáveis e, para evitar um crime, o proíbem de andar armado. Independentemente disso e da intervenção policial, os moleques e os caixeiros o desesperam e depois de muita corrida e muito palavrório, o "Montenegro, que não há de casar com moça brasileira " sai-se com este estribilho, o qual antecede a novas e estrepitosas surriadas: "Cambada de colonos, isto há de ser de Portugal. E, então, aguentem-se!"
Conta-se que na segunda fase de sua alienação, bem mais grave do que a inicial, o brigadeiro Montenegro, com andar marcial e olhar glacial, trajando sobrecasaca azul com fita vermelha da Ordem de Cristo na abotoadura, chapéu preto de pele, calça e colete branco, botina preta e meia listrada, usa sempre uma elegante bengala de fina cana da Índia na mão direita, ao mesmo tempo em que conserva a mão esquerda na algibeira.
Reza a tradição, le pour et le contre, que o real motivo do transtorno psicológico do brigadeiro Montenegro fora uma grave repreensão por insubordinação publicada no boletim militar da Ordem do Dia.
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